Para todos que indiquei a dra. Isa Kabacznik, e foram muitos, de largada eu já avisava que eles iriam melhorar só de olhar para ela.
Não me lembro como cheguei ao seu consultório, na rua Tusiassú, em Perdizes, por volta de agosto de 2009. Eu andava com uma depressão danada, e mais do que medicamentos, ela de cara me deu ombro, colo e amizade.
Dra. Isa Kabacznik faleceu enquanto dormia, nesta quinta-feira, em seu apartamento na rua Cardoso de Almeida, aquele prédio ali em cima da Ofner, mas sua janela dava para a igreja São Domingos.
Nunca fui lá, mas durante anos de longas conversas, que iam de considerações sobre o jornalismo atual a histórias de como seus pais, judeus refugiados, chegaram a Belém (PA), onde ela nasceu, sempre passávamos pelo mesmo assunto: o nosso bairro.
Éramos quase vizinhas, morávamos na mesma direção, cada uma de um lado da avenida Sumaré. Ela sempre esquecia esse detalhe, e terminava a consulta com um: “ah é, a gente se vê daqui dois meses, Ana Lúcia, e não esquece que a psiquiatra não existe só para te dar receita, a consulta é importante”.
A consulta era muito importante. Nos últimos tempos, com a pandemia, não tivemos a chance de nos encontrar, para aquele abraço demorado. No entanto, falávamos com muito mais frequência. Eu precisei mais dela nesse período, e gosto de acreditar que, de alguma maneira, ela podia desabafar um pouco comigo. Para uma pessoa com dificuldades respiratórias graves, que andava com um respirador 24 horas por dia, a Covid foi cruel.
Mas a dra. Isa era forte, a mais forte de todas. Me indicou a melhor psicóloga que conhecia, a melhor ginecologista que existia. Sou paciente de todas elas. Tinha soluções práticas para todas as minhas reclamações. Me mandou mudar para mais longe de São Caetano se aquela conexão ainda me incomodava. Me mandou colocar ar-condicionado pela casa toda se a minha alergia ao calor piorasse. Não fiz nada disso. Mas entendi a lógica da coisa. E ela dava o melhor exemplo: como amava andar na praia, mas com o respirador a tiracolo era impossível, fazia passeios de charrete, e assim podia sentir o vento e o cheiro do mar.
Viagens era o nosso assunto também. O amor pela Praia do Forte, na Bahia, onde ela adorava passear pelas ruazinhas, olhar as lojas e ficar parada em frente à igrejinha vendo a vida passar. Lá é tudo plano, tem pedras, mas era mais fácil de se deslocar.

E tinha também a viagem que fez pela França, de carro, tomando vinho, numa situação que parecia muito romântica. Mas ela era discreta, não fornecia muitos detalhes.
Dra. Isa era boa de papo. Tinha histórias épicas, um orgulho danado de tudo que pode realizar como presidente do Comitê Multidisciplinar de Adolescência, da Associação Paulista de Medicina, e uma alegria sem fim de contar as peripécias do neto.
Entrar em seu consultório pela primeira vez era um choque. Ali estava uma mulher baixinha, com visíveis deficiências, mas com uma energia e uma determinação sobrepujantes. Nenhuma doença era páreo para aquela vitalidade surpreendente. Por isso a gente melhorava mesmo só de olhar para ela.
Dra. Isa deixa uma filha, Larissa, uma fiel escudeira, a Raquel, e centenas de pacientes, admiradores e amigos.