Desde que comecei a postar sobre minha entrada na Board Academy Br, vários profissionais me abordaram curiosos sobre “como é ser conselheira consultiva” e se eu estava gostando da experiência. As perguntas vieram de diversas pessoas, desde um primo executivo e consultor de RH até a mãe advogada de uma jovem colega, além de vários jornalistas amigos.
Refletindo sobre minha trajetória, percebi que passei mais da metade da minha vida em posições de liderança. Ao revisar essa jornada, dois aspectos se destacaram: a contratação de equipes e a gestão de novos projetos.
Esse olhar mais amplo foi uma proposta da Betty Dabkiewicz, minha mentora na Board. Ela sugeriu que fizéssemos uma análise SWOT pessoal. Na primeira versão, percebi que estava usando o quadro das forças (Strenghts) para listar dados do meu currículo, enquanto nas oportunidades (Opportunities) incluía clientes e locais de trabalho anteriores. Nas fraquezas (Weaknesses), colocava lacunas do meu CV e, nas ameaças (Threats), fatores externos gerais. O exercício, porém, pedia que olhássemos para esses aspectos com mais profundidade e definíssemos metas de curto e longo prazo (1, 3 e 5 anos).
Foi nesse momento que percebi que, ao fazer a primeira versão do SWOT, não mencionei o que eu realmente fazia. Tinha o hábito de focar nas atividades de comunicação — planejar, criar, escrever, editar — e não em tarefas como contratar e gerir equipes, gerenciar projetos, implementar estratégias, traçar metas e definir KPIs, apresentar projetos, administrar budgets e fazer relatórios.
Essas são atividades que, convenhamos, não são exclusivas de jornalistas e nem foram ensinadas durante minha formação acadêmica. Tudo isso foi adquirido ao longo da carreira, fruto de intuição, exigência, criatividade e aprendizado com pessoas incríveis nas empresas por onde passei, especialmente com equipes de tecnologias, agências e clientes do mercado corporativo.
Infelizmente, as redações tradicionais demoraram a absorver práticas eficazes de gestão e condução de negócios. Em contrapartida, as redações online, inspiradas por outras áreas como TI e o Vale do Silício, já seguiam um modelo mais estruturado.
Na Folha de S.Paulo, redação do jornal impresso, em 1998, foi quando fiz gestão pela primeira vez. Eu tinha 24 anos. A Folha, inclusive, ficou famosa por alçar jovens — muito jovens mesmo — a cargos de liderança. Tive a promoção e a responsabilidade, mas não tive orientação de gestão. Acompanhava mais ou menos o que alguns editores faziam e tentava tocar da mesma maneira.
Parece que foi ontem quando, ao abrir uma página da Associated Press na internet para me inspirar em pautas para o núcleo de educação, saúde e ciência do qual eu era chefe de reportagem, pensei: se eu estou fazendo isso aqui, qualquer um pode fazer também. Qual a razão de pesquisar uma matéria já publicada nas últimas notícias da AP, no site do Yahoo!, sugerir na pauta do dia e esperar até sair impressa no jornal? Seriam praticamente três dias de defasagem. Não via razão para aquilo.
Lembro do dia que me deu esse insight. Era cedinho e redação estava vazia. Um dia iluminado na Barão de Limeira. Eu sentava com a equipe do Mais!, olhando para Cotidiano, com a Ilustrada às minhas costas. À minha direita, na coluna do meio, uma impressora enorme, os boys, Regionais e a editoria de Arte. À frente da Arte, Mundo e a Secretaria de Redação. Logo ao lado, na terceira coluna, Brasil (política) e Dinheiro. No fundo dessa coluna, Turismo, Informática, Folhinha, Folhateen e os cadernos Classificados (Empregos, Imóveis, Veículos e Tudo).
Olhei aquele salão todo e profetizei: isso aqui logo vai acabar. Não tem mais razão de existir. Pensei na minha vida, tinha acabado de sair de casa, e buscava estabilidade financeira. Joguei para o universo, mas não cheguei a comentar com ninguém. Como falar para uma pessoa aparentemente saudável que ela está com os dias contados? Era esse meu sentimento.
Poucas semanas depois, recebi o convite para trabalhar no UOL, o Universo Online, que havia sido criado há pouquíssimo tempo. Era 1999, e eu fui. Não pensei duas vezes, não questionei, eu só queria ir para um ambiente inovador, que me desse horizonte de futuro. E, claro, esse ambiente pagaria o dobro do que eu ganhava.
A bolha da internet estava começando a inflar, passando da sua fase de Lua nova para a fase de Lua crescente.
No UOL, aprendi que não basta reportar, precisa dar audiência, precisa atrair publicidade. Sem juízo de valor, isso fez uma enorme diferença na maneira como passei a enxergar o trabalho. Temos, sim, que olhar para o financeiro. As redações não podem atuar como herdeiros que vivem com cartão de crédito ilimitado. Acredito que todos somos responsáveis pelo negócio, independentemente do setor em que estamos.
Desde então, tenho desenvolvido esse olhar para o negócio. Minha especialidade sempre será a comunicação, mas a meu ver ela só faz sentido se atrelada a um objetivo claro de propósito e com viabilidade financeira. Esse é um dos pilares que busco levar aos conselhos de empresas, principalmente a novos negócios inovadores, como as start ups, que atuam de maneira muito parecida com aquela ebulição do final dos anos 1990.
A importância de ambientes que promovem inovação, liberdade para criar e os riscos de mercados em construção com base no que vivi durante o começo da internet no Brasil
Ao escrever a parte 1 desse texto para o curso da Board Academy Br, despertei uma lembrança deliciosa dos primórdios da internet no Brasil. Continuo de onde parei para tentar explicar de maneira aprofundada a razão pela qual resolvi atuar como conselheira consultiva de empresas.
O ano era 1999, e eu cuidava dos canais de saúde e educação do UOL. Em saúde, reportávamos, mas também tínhamos um canal de tira-dúvidas, que falava de medicina e sexo, com Jairo Bouer respondendo às dúvidas dos internautas. Em educação, também tinha reportagens, mas realmente o objetivo era educar. E, dentro desse conteúdo, um espaço que era meu xodó, o VestibUOL. Desenhei a homepage desse canal num domingo à tarde em casa e, depois, no rabisco do papel, aprovei com o Graciliano Toni. O objetivo do VestibUOL era colocar os alunos nas faculdades. Ensinávamos de maneira descontraída as matérias de colégio (Ensino Médio), convidávamos professores de cursinhos para o Bate-Papo UOL e publicávamos em primeira mão (isto é, antes do papel) os gabaritos e resultados dos vestibulares de todo o país. O jornal impresso só publicava universidades públicas do estado de São Paulo.
Com a Daniela Bertocchi, PhD, que estava na mesma posição em um site concorrente, dividíamos HTMLs de tabelas pelo ICQ (parceria ganha-ganha, que a chefia nem sonhava que acontecia). Não tínhamos publicadores automáticos desses conteúdos, era Ctrl C + Ctrl V direto do código-fonte dos sites das faculdades e, depois, mais ou menos (beeeem mais ou menos) colocávamos no layout do UOL e mandávamos para o ar.
Rafael Fontana Garcia, profissional no topo da lista das melhores contratações da vida, que além de jornalista é músico, ficou craque nessas tabelas. Jamais imaginamos estar fazendo esse tipo de serviço braçal, mas tinha um senso de utilidade e diversão, principalmente na competição com sites concorrentes, que podiam estar mais rápidos ou mais lentos que o UOL para atualizarem. Internet a vapor, conexão discada e espaço de experimentação. Praticamente um protótipo.
Na primeira Fuvest que cobrimos, fiz parcerias oficiais e lícitas com o Etapa e com o cursinho da Poli. O Objetivo, cursinho mais famoso da época, já estava com o papel -a Folha impressa. Procurei o professor Bindi, no Etapa, e fechamos parceria para conteúdos com o que “o que a Fuvest vai pedir neste ano”. Para a correção da prova da primeira fase, o Etapa já estava comprometido com outro veículo de comunicação. Busquei então um parceiro diferente dos que conseguiam bancar campanhas publicitárias. Encontrei o Cursinho da Poli, uma iniciativa inovadora, que como o nome diz foi criado por alunos da Poli, com a promessa de colocar alunos de baixa renda na USP.
Com os webmasters do UOL, inventamos um pop-up que atualizava automaticamente a cada cinco segundos para ir soltando o gabarito sem que o aluno precisasse atualizar na mão. Questão 1 letra A, questão 2 letra B, reload automático, questão 3 letra C, questão 4 letra D, reload automático e assim por diante. Resultado no final da apuração: 1 milhão de page views no nosso placar.
O que ouvi da diretora de conteúdo da época? “A publicidade vai adorar saber disso.” Fiquei meio frustrada, claro, queria reconhecimento por todo esse esforço, mas hoje entendo perfeitamente. O conteúdo era importante. A audiência acompanhava (assertividade na análise do público e entendimento das dores do mercado), voltava (fidelização do cliente) e recomendava (alta reputação). Logo, a publicidade (o marketing) tinha mesmo que adorar.
Tive alguma orientação sobre parcerias, audiência e criação de produtos inovadores? Não. Muito pelo contrário, a área de jornalismo era liderada por uma profissional bem pouco afeita a inovações, mas estava ali pelo alto nível de conhecimento que tinha no fazer jornalístico, por garantir uma apuração de qualidade e perfeccionismo na entrega.
Fui me bandeando para o lado da equipe de Interação, com a Margot Pavan, que juntava conteúdo, entretenimento e serviço. Uma maneira totalmente inovadora de fazer, o que realmente não poderia existir em nenhum lugar se não fosse na internet.
Saí do UOL depois do (não) Bug do Milênio para entrar no time de criação da Folha Online, no meio de 2000. Nesse período, o UOL estava de mudança para a Faria Lima. Fui o clássico caso do cachorro que caiu do caminhão da mudança e fica na casa antiga. Época linda, de Lua na fase cheia. Meu salário já era pelo menos quatro vezes maior que o de 1998. Na Folha Online, meu cargo era Editora de Interação.
Coloquei em prática tudo o que tinha aprendido no UOL e mais. Tive liberdade para pensar produtos que trariam dinheiro para nossa estrutura. A Folha Online, com a Ana Lucia Busch no comando, era um ambiente que favorecia inovação e experimentação. A Ana deixava a gente livre para criar, e com o Antonio Graeff inventávamos um monte. Folha no SMS, acordos fechados com operadoras de celular de todo o país para vender conteúdo. A criação da FolhaWap, um portal de notícias para celulares que estavam longe de serem smart.
A equipe de Interação chegou a quase 20 pessoas, com profissionais produzindo conteúdo para SMS 24 horas, com equipe em todo o interior de São Paulo, graças a um acordo que fechamos com operadoras locais. Pegávamos o conteúdo e transformávamos em textos curtíssimos, tipo tweets, para enviar aos celulares. Pílulas de horóscopo e das piadas do Zé Simão eram os que mais vendiam. De hard news, o que mais vendia na época era Guerra do Afeganistão, Casa dos Artistas e futebol.
Aí veio a Copa da Coreia e do Japão, em 2002. Criamos o gol minuto a minuto por SMS. O meu racional para o produto era atender quem estaria dormindo nas horas dos jogos -tipo todos os brasileiros que precisavam estar acordados na manhã seguinte para trabalhar e não poderiam ver os jogos na madrugada. Eles seriam alertados no SMS quando saísse gol ou poderiam ver todos os resultados rapidamente quando acordassem. Ou ainda: as pessoas de noite no bar vendo resultados das partidas antes de aparecer na TV. Vendemos muito. E a seleção brasileira, para ajudar, foi penta. O cenário era perfeito: um fuso horário de 12 horas de diferença a nosso favor (a favor do negócio, não do torcedor), o que provava a eficácia da internet para noticiário desse tipo. O Brasil tinha uma seleção incrível e estava super cotado para ser campeão.
Trabalhei 40 dias sem folga e na madrugada. Exaustivo e recompensador.
Alguns meses depois da Copa de 2002, entramos na fase da Lua minguante da internet brasileira.
A bolha estourou. Demiti mais de 20 pessoas da equipe em um único dia. Inclusive nesse dia estava contratando um novo redator, o Guilherme Felitti.
Fiz todas as demissões sozinha, sem apoio do RH. A ordem era uma só: demite. Eu tinha 28 anos. Um apartamento recém comprado e 100% pago. Mandei a equipe embora, desenvolvi uma alergia nervosa e fui demitida na semana seguinte.
Acertamos muito na inovação. Erramos na otimização de recursos, na projeção de custos, na identificação da crise e no risco da bolha. Era óbvio que ia explodir. Os principais gastos eram: escassez de profissionais para um mercado altamente inovador e uma operação 24×7 sem recursos como IA para apoiar. Para se ter uma ideia, tínhamos conteúdos traduzidos em espanhol e inglês feitos por tradutores humanos. Parece loucura pensar nisso em tempos de IA… Admiro demais esses profissionais de tradução, mas o volume e a agilidade que precisávamos ter deixavam a operação inviável e insustentável. Quase chorei quando vi o YouTube colocando legenda traduzida automaticamente.
Inclusive por causa dessa bolha comprei meu primeiro apartamento. Nunca abri mão da segurança financeira, e estava na cara que uma hora o dinheiro ia acabar. Éramos os patinhos feios do Grupo Folha, uma equipe meio apartada do produto nobre, criando a internet do jornal com três pessoas de TI, num mercado volátil e ainda não consolidado.
Tentávamos evangelizar colegas do impresso para a beleza do online. Fiz de um tudo para valorizar os profissionais, que muitas vezes ficavam escondidos do grande público. Criei bate-papo com o correspondente de guerra da Folha no Afeganistão, que teclava com os leitores por uma conexão vinda de um celular com sinal via satélite. Criamos um modelo de notícias, tipo blog, para o Lúcio Ribeiro quando nem existia blog, né Raphael Franzini? Outro que está na lista de melhores contratações da vida. O nosso proto blog era cheio de figurinhas e memes no meio das notícias. Impensável fazer isso naquela época e hoje chega a ser banal.
Fechei com a Editora do Porto, que vendia os livros do Harry Potter, para soltarmos juntos a prévia dos dois primeiros capítulos do inédito “Harry Potter e o Cálice de Fogo”. A ideia era: eu receberia os dois primeiros capítulos no português de Portugal quando eles recebessem lá. Deixaria tudo pronto para lançarmos juntos com link para compra no site da Editora do Porto, que vendia para o Brasil. A edição brasileira seria lançada só meses depois, pela Record. Foi bacana demais esse projeto. Traduzimos alguns termos que eram diferentes nas duas versões do idioma. Inclusive ganhei da editora um dicionário Português de Portugal X Português do Brasil para ajudar na tradução.
No Natal daquele ano, em casa, meu presente foi ver a Natália Tonello e o Rudá Pereira da Costa lendo juntos os capítulos traduzidos sem eu ter falado nada. Eles só acharam o link na home do UOL e abriram para ler. Não existia smartphone, mas eles são praticamente nativos digitais e já passavam boas horas do dia na frente de uma tela, mesmo no Natal.
Dessa época, adotei o bordão: a Internet é minha amiga e nada me faltará.
E realmente nada me faltou ao ter coragem de andar junto com a tecnologia e com a inovação. Pensando e criando produtos que conectam comunicação e objetivos de negócios.
Foi justamente por reconhecer o meu perfil profissional que resolvi encarar o desafio de ser conselheira consultiva. É uma área relativamente nova, que exige uma visão ampla e de futuro para os negócios. Acredito que posso agregar bastante para empresas que precisam enxergar além, antecipando o que vai ou não ter relevância para o futuro. E fazer isso menos baseado na intuição e mais nos dados, que são, ou deveriam ser, a base de toda empresa bem estruturada.