BURNOUT E MENOPAUSA: UM COMBO MATADOR

Isso é por causa da pandemia, diriam muitos ao ouvir minha história. Mas a pandemia, nesse caso, não é a única culpada. Meu diagnóstico é bem mais simples e muito mais comum, sou uma vítima do stress. Um stress exagerado, que passou a fazer parte da minha rotina há muitos anos, sem eu me dar conta da sua potência e dos riscos que me causavam.

Tudo começou em 2017. 43 anos. A data é o de menos, mas a idade é relevante. Nos meus anos trabalhando em redação, aprendi com os diversos obituários inesperados, aqueles casos que surgem de repente e deixam todo mundo surpreso, que os 43 eram anos perigosos para os homens. Luis Eduardo Magalhães, em 1998, e Bussunda, em 2006, estão entre os mais conhecidos que morreram nessa mesma idade, vítimas de infartos fulminantes. Logo, na minha lógica médica baseada em nenhum fato comprovado, eu não corria esse risco já que parecia ser coisa de homem e não de mulher.

O que eu não considerava eram os fatores de risco, o estilo de vida. Não, não é lifestyle, verão em Ibiza, champanhe com amigos em um iate e centenas de recebidos de marcas de luxo na porta do meu prédio. Era estilo de vida de risco mesmo. Dormir 4 horas por noite, pouca ou nenhuma atividade física, álcool 5 vezes por semana, várias refeições realizadas dentro de taxis -normalmente um pão de queijo com café às 15h30-, ex-tabagista-fumante de happy hour, 10 horas em média de trabalho por dia mais finais de semana checando e-mail e WhatsApp (que roubou o tempo de respiro entre um e-mail e outro), tudo isso com o cenário da poluída cidade de São Paulo, a responsabilidade de cuidar sozinha de duas casas, um filho, um cachorro e uma mãe que passou por três aneurismas (1 cerebral e 2 na aorta) nos últimos 20 anos. Resultado: stress.

Longe de achar que foi um privilégio meu essa vida cheia de tarefas. Conheço dezenas de histórias de pessoas que foram muito mais complicadas que a minha. A maioria inclusive não teve chance de compensar com férias deliciosas como as que pude proporcionar para minha família. Como me disse um ex-sogro uma vez: você quis, agora faça. É isso. Eu quis. Eu nasci com privilégios que me permitiram sonhar e realizar. Mas meu sonhos chegaram com responsabilidades, e nunca fugi de nenhuma delas. Inclusive vivo arranjando mais.

Não é lamentação, mas constatação. Eu estiquei a corda demais, e não me dei conta de que ela estava por um fio. Foi em 2017, após o diagnóstico de uma lesão no colo do útero e a obrigatoriedade de me manter calma para fazer meu corpo expulsar naturalmente os vírus do HPV dali, que descobri que não conseguia dominar nem o stress nem minha imunidade. Durante um ano, a cada três meses, realizava exames para identificar o tamanho da lesão e os tipos de vírus encontrados nela. Os vírus de números 16 e 18 causam 70% dos casos de câncer de útero. Eu tinha os dois. As lesões se aprofundavam. Foram duas cirurgias para escavar e retirar pedaços do colo do útero até que ele praticamente acabou. Daí, em 2017, não tive outra opção a não ser tirar o próprio útero e dizimar a possibilidade de um câncer. E quando era para eu melhorar, eu piorei.

Depressão, saudades da menstruação, do cheiro, da libido, da minha disposição, de ser quem eu era. Eu deveria seguir ovulando, mas fico imaginando meus últimos óvulos correndo dos ovários e caindo no vazio do que um dia tinha sido o espaço do meu útero. Esse vazio mexeu comigo, profundamente, como eu também não fazia ideia que poderia mexer. Os óvulos se foram, os ovários evaporaram, eu estava na menopausa. Perdão pela escolha de alguns verbos, os termos médicos são mais precisos e corretos, mas aqui estou usando verbos que expressam meus sentimentos, minhas sensações. Meus ovários foram para o espaço, evaporaram no vazio do meu ventre.

À menopausa e ao tratamento de reposição hormonal, vivi uma dezena de tristezas no trabalho e na vida pessoal. Decepções atrás de decepções. Assédios de todos os tipos. Culpa da menopausa? Talvez. Eu não era mais eu. Não tinha coragem, não tinha voz. Eu me acovardei. E a vida exige da gente coragem, mas eu não conseguia reagir para me proteger.

Em janeiro de 2018, após uma festa de réveillon desastrosa para mim, encontrei apoio em um terreiro de Umbanda. Em abril daquele ano, comecei a trabalhar como médium em desenvolvimento. Era a primeira vez em muitos anos que fazia algo que exigia de mim algo diferente de trabalhar, beber com os amigos e cuidar da família. Eu comecei a cuidar de mim em outro plano e também passei a me entender melhor. A terapia, iniciada pouco antes do diagnóstico de HPV, já vinha me salvando, mas a fé completou o auto-conhecimento.

Mas continuei esticando a corda. Em vez de substituir tarefas, elas só se acumulavam. Dessa época até o início da pandemia, foram dois anos puxadíssimos. Até que um novo vírus, o da Covid, veio atormentar a nossa vida. Fugi de São Paulo, fui morar em Campos com filho, mãe e cachorro. O cenário bucólico e o ar puro, me salvaram. Sentia falta do terreiro, que estava fechado por causa da pandemia, e voltei a viver exclusivamente para o trabalho, sem chance de lazer ou paz. Foi, no mínimo, extenuante. Por volta de setembro de 2020, eu parei de falar. Acordava sem voz. Pela hora do almoço, ela voltava, mas eu ia dormir com dor de garganta. Em outubro, tirei uma folga forçada, “para pensar”. Em novembro, licença médica com o diagnóstico de burnout.

Por causa do burnout, fiz um checkup completo com pedidos da psiquiatra, do endocrino e da ginecologista. Agora eu tinha um novo diagnóstico, hipertireoidismo. Fraqueza muscular, cansaço e mais depressão: pela primeira e única vez na minha vida, desejei morrer. Mas graças à minha rede de apoio, à família, aos amigos e médicos, além das minhas entidades protetoras, esse pensamento foi embora. O terreiro reabriu, eu comecei novo tratamento médico e voltei a sentir esperança.

Em fevereiro de 2021, eu me libertei. O plano para soltar as algemas de um trabalho que não me agregava nada além de tristeza e perda de confiança em mim mesma funcionou. Estava livre. Cheia de medos, de perspectivas e de tempo! O hipertireoidismo, ingrato, piorou. Sim, sim, eu estava emocionalmente melhor, mas estourei minha tireoide. Ela não deu conta, tadinha. A corda estourou de vez. Descobri que tenho Doença de Graves, um tipo auto-imune de hipertireoidismo, que entre outras coisas causa oftalmopatia -inflama uma região atrás dos olhos, que ficam saltados, esbugalhados.

Foram meses inglórios. De reclusão, de vergonha. Não conseguia me olhar. Em outubro de 2021, comecei um tratamento agressivo com corticoide. Engordei pelo menos 12 quilos em 3 meses, não tinha sono, chorava à toa, e comia tudo o que via pela frente. As roupas pararam de servir, eu não me reconhecia no espelho.

Nós, mulheres, que assumimos responsabilidades vistas até então como masculinas, também sofremos o desgaste que surge por volta dos 40 anos. O corpo para de atender nossas demandas e se revolta, fazendo com que a gente pare. Pode ser uma parada momentânea, como a que vivi, ou uma parada sem volta. Ainda tenho meus impulsos para uma vida hiperativa, mas se saio de manhã, fico à tarde em casa. Se tenho compromisso à tarde, fico em casa de manhã. À noite, raramente saio. Álcool, só às vezes, a cada duas semanas. Cigarro, nunca mais. A oftalmopatia e algumas sessões de radioterapia para desinflamar a região dos olhos me brecaram. Convivi com doentes de câncer na clínica para radio, saía chorando com o peso da tristeza que parecia contaminar o ar. Depois da sétima sessão senti a força de reação daqueles pacientes. Meu caso é infinitamente mais leve e, de trocar poucas palavras e observar muito aquele pessoal, retomei a esperança. Ela voltou.

A pandemia teve culpa nesse meu processo? Duvido. Eu teria passado por esses desafios de saúde de uma maneira ou outra. O que eu não enxergava era o risco de estar nessa fase da vida, no início da menopausa, com esse nível de stress. Esse conjunto é matador, como coloquei no título, porque paramos de nos reconhecer, nos fragilizamos, quando na verdade ainda temos muita lenha para queimar. Uma mulher de 40 e poucos anos é jovem, pode ser mãe pela primeira vez, pode pintar e bordar, pode ser o que ela quiser. Mas é preciso lembrar que a corda é frágil, e que precisamos cuidar sempre, impor limites o tempo todo, para seguirmos plenas, felizes e saudáveis.

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